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Felippe Regazio
Felippe Regazio

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Por que deixei uma Multinacional para retornar para uma Start Up

Antes de mais nada cabe dizer que esse post não visa comparar empresas. Nem de longe a ideia é dizer quem é melhor ou pior, é apenas um relato completamente pessoal e racional de um processo de decisão baseado no meu momento, e que acredito que possa ajudar pessoas que tenham questões ou dilemas parecidos. Dessa forma não citarei o nome das empresas para que não haja juízo de valor - isso a efeito do post, até porque qualquer um poderia fuçar minhas redes sociais, né. Outro ponto que cabe mencionar: a multinacional de que fiz parte não era uma empresa que é um software ou tem um software como core-business, e isso também é relavante. Ainda assim, o que vou dizer aqui não representa crítica, nem juízo de valor e MUITO MENOS é um post do tipo "é isso que vc vai encontrar em empresas tipo A ou B". Na verdade esse post está mais pra: nesse momento eu queria A e tal empresa ofereceu B, então decidi fazer C. Esse processo de decisão nem sempre é simples, logo, como foi foi minha tomada de decisão? É sobre isso que vou falar.

Resumindo bem: ano passado eu estava trabalhando feliz da vida numa start up MARA com um time MARA quando recebi uma proposta para trabalhar numa multinacional MARA. Que vida MARA né (oxe, quem dera). Bom, eu nunca tinha trabalhado numa multinacional, e me bateu um verdadeiro fogo no rabo de ir. Até aqui minha carreira tinha sido como freelancer, fabrica de software e depois em Start Ups. Conversei com meu líder - que na época se mostrou chateado com minha saída, para minha honra aliás - mas entendeu e me disse: "mano vai, se der merda e for possível vc volta, as portas estão abertas".

Minha motivação não foi grana, não foi status, não foi alavancar salário; foi ganhar experiencia internacional, musculatura tecnica e me aproximar de projetos globais. Eu seria responsavel por desenvolver e manter alguns projetos nacionais e internacionais. Ou seja, eu sabia o que eu estava buscando NAQUELE MOMENTO e estava disposto a correr algum risco, se eu falhasse ainda assim teria ganho o onus da descoberta interior. O que eu não sabia e não relevei por imaturidade foi toda a bagagem que uma empresa grande e consolidada pode impor pra vc. Daí chegamos na importante questão:

O que você quer pra sua carreira neste momento?

Antes de continuarmos, cabe então avaliar a seguinte reflexão: O que vc quer pra sua carreira a curto prazo? O que você está buscando exatamente agora? Mais dinheiro? Mais desafios tecnicos? Quer aprender mais? Quer mentoria? Quer mais ownership? Quer deixar de ser estagiário? Quer deixar de codar e migrar pra business, ou virar líder tecnico?

Essas pequenas metas moldam nossos resultados a longo prazo e são meta-modificadoras: ou seja, mudam de acordo com o resultado que elas mesmas geraram. E tudo bem em mudar de plano no meio do caminho, é pra isso mesmo que as pequenas jornadas servem, pra recalcular a rota. No meu caso eu queria experiencia de base internacional, evolução ágil, atualização constante e desafio tecnico, porque eu gostaria de virar um maromba-dos-códigos, um verdadeiro mestre das artes da programação, especializado em front end e com conhecimentos generalistas úteis pra um bom time tecnico.

Essas metas foram responsáveis por eu querer entrar, e também por querer sair de uma multinacional que não tem tecnologia como core-business. Esse foi meu primeiro choque, estar em um ambiente em que o software não é a parte mais importante. Foi muito diferente pra mim e tive que reconstruir algumas maneiras de pensar.

Os 3 Cavaleiros do Apocalipse

Bom, então fui trabalhar na multi que nao era uma fintech. Com o tempo notei algumas características que colidiram com meus planos (aqueles ali de cima) e que me fizeram repensar minha decisão. Foram elas:

  • 1. Software como algo auxiliar

Essa foi a primeira coisa que senti e tive dificuldade em me adaptar: estar numa empresa que não é um software. Não há um produto online, um software comum pra onde as coisas remontam, uma equipe de produto ou um serviço advindo de um processo de engenharia de software (ainda que descentralizado). O que há são centenas de ferramentas de naturezas diversas que viabilizam tarefas, auxiliam serviços, fornecem informações, suprem clientes etc. Ou seja, toda uma fauna e flora tecnológica baseada numa meta comum quase que offline. Acredite, isso é uma baita mudança de paradigma. Isso pode tornar diversas demandas desconexas, granulares, ou mesmo efemeras: fixes pequenos em coisas que vc não sabe exatamente o que faz e talvez jamais verá novamente, por exemplo; demandas grandes que vem e vão com metas opostas. Todo esse cenário gera uma mudança cultural drástica e o desenvolvedor passa de protagonista para recurso. Pode parecer egolatra a primeira vista mas não é, isso afeta a forma de estipular prazos, definir stacks e todo o processo. Uma vez que a prioridade da empresa não é - e nesse caso nem deveria ser - um software, vc sentira alguns cortes e concessões, dentre outras coisas. Hoje eu seria infinitamente mais crítico ao considerar trabalhar em uma empresa que não tem um software como core business pois isso colidiria com minhas atuais aspirações. Amanhã posso mudar de ideia, quem sabe, mas por hoje é essa a diretriz.

  • 2. Enorme cadeia hierarquica

Não tem como ser diferente, numa empresa global a cadeia hierarquica geralmente é grande, não há o que fazer. Novamente reafirmo: isso não é crítica ou apontamento sobre como ou o que empresa A ou B faz. Muitas empresas estão afinando uma cultura ágil dentro dessas cadeias hierarquicas e isso é uma tarefa complicada, de fato. Algumas decisões suportam velocidade mais do que outras. O problema é que projetos mais expressivos podem demorar 6 meses sendo discutidos numa lista de e-mail com 10 chefes de diferentes alçadas e ao fim ter mais da metade dessa discussão ignorada ao serem executados; ou vir de lá de cima e ser modificado em diferentes níveis de forma que o que era pra ser uma POC se torna um Megazord. Isso não é erro, é a natureza humana agindo sobre um processo. Talvez cortar níveis de comunicação e manter a discussão inicial restrita ajude a manter o escopo menor e mais simplista, mas como eu disse: não é tão fácil, não é tão instantaneo. Se vc é ansioso, isso pode te levar a algumas crises, e se vc busca agilidade máxima para criação de conceitos, não será o melhor momento pra você. Durante um bom tempo vc pode inclusive necessitar mediar as proposições, se lhe conferirem autoridade para tal.

  • 3. Stacks e Processos Solidificados pelo Tempo

Isso acontece um pouco com qualquer empresa, mas uma multinacional consolidada tem muito mais tempo de estrada, logo muito mais areia e dejetos por cima de anos e anos de processos que vão se solidificando cada vez mais. Modificar esses processos pode ser ex-tre-ma-men-te delicado, pois uma becha ou erro pode gerar uma reação em cadeia com consequencias catastroficas. Começar novos processos do zero está fora de cogitação: tomará um tempo precioso por um ganho não tão expressivo considerando o core. Então melhor deixa-los lá. Esses processos podems ser diretrizes de segurança antigas que ainda são seguidas, stacks legadas que são passadas adiante pois são monolíticas demais pra serem movidas ou refatoradas, etc. Mudar essas coisas requer tempo, dinheiro, auditoria e esforço coletivo, então elas ficarão lá por um bom tempo, e vc terá que lidar com isso. Como desenvolvedor isso pode te fazer sentir-se um pouco cerceado, dependendo do seu momento.

A decisão

As 3 características acima foram responsavéis por minha decisão de voltar a uma Start Up. Veja que chamei de características, porque é isso que são. Tirando o ponto 1, os outros acontecerão com todas as empresas que crescerem. A questão aqui, reitero, é o meu momento e quais batalhas eu gostaria de estar lutando agora. O que conta aqui é o que eu estava considerando como satisfação pessoal naquele momento. Sendo assim, ao projetar meu furturo e cruza-lo com meus planos, percebi que eu deveria agir. Considerei que:

Se eu me afastasse de processos atuais de criação de software/produto (que é o que amo) agora para manter "Proof of Concepts" e demandas menores, se me solidificasse dentro de uma organização não focada em desenvolvimento, solidificasse em minha rotina as stacks disponiveis pausando estudos mais recentes e me distanciasse um pouco dos códigos para precocemente me aproximar mais de decisões de C-Level como consultor interno, a cabo de 2 anos eu poderia estar obsoleto e teria que dedicar 1 ano ou mais pra me atualizar e estar em consonancia com meus planos e ser relevante para o mercado de sofware as a service ou produtos online. Assim percebi que essa era minha praia: Manter software, produto parrudo, ser pedreiro de software mesmo, ficar no meio da inovação e de uma pilha de codigos legadas ou modernos mas que representam a prioridade da organização, tornando assim meu trabalho mais minuscioso e necessário, quase artesanal em oposição ao industrial (contem leves nuances de ingenuidade). Isso me fez sentir que não estou pronto para sossegar os estudos e todo esse turbilhao tecnico de auto-desenvolvimento no mundo do coding. Essa foi minha motivação para sair.

No fim acho que trabalho é também sobre isso: satisfação pessoal e auto-desafio. Quando voltei eu nao alavanquei salario, não tive mudanças expressivas de cargo nem nada, voltei para onde saí, porém com muito mais bagagem e muito mais certo do meu foco. Digo isso pra demonstrar que realmente não saí por grana ou achando que tava praticando um grande life hack. Quanto a empresa que deixei, também procurei ter responsabilidade no processo: avisei com antecedencia e deixei a eles um profile de qual profissional seria adequado para o time em que eu estava, assim eles seriam ainda mais acertivos na necessidade do time, e todo mundo sairia ganhando. Fui extremamente franco: sentia-me deslocado e não queria esperar até sentir-me descontente. Encarei isso tudo como um grande aprendizado. Me sinto grato por ter feito parte de uma multinacional diferente de todos os outros lugares em que trabalhei e por ter adentrado diferentes escalas e aspectos de projetos globais e gigantescos, foi muito muito enriquecedor e bacana. Me sinto feliz de ter voltado pra onde eu estava e de trazer comigo a sensação de que estou exatamente onde eu deveria estar, neste momento.

Cover image by Andrew Neel on Unsplash

Top comments (4)

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LeoLourenco

Muito bom!

Vai muito do momento de cada um, eu fiz o inverso agora, quero pegar experiência em projetos gigantes, coisa que nunca vivenciei e já tô indo ciente de o quanto "burocrático" é como estou numa vertente diferente da tua na área, vai ser legal pegar essa musculatura, principalmente por ser produtos de infra e pipelines gigantes pra conhecer.

Escreva mais Felippão! Abraço!

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Felippe Regazio

boa man, espero que seja agregador (e acho que nao tem como ser diferente).
vou tentar tirar um tempo pra escrever mais rs valeeeu ;D

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Douglas Negrisolli 🏳️‍🌈

Lindo! Crescimento gera liberdade.

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Vini Lourenco

Show! Muito bom post, Felippe!