Faz alguns dias que eu postei um texto contando como foi a decisão de expor ainda na fase de entrevistas que sou uma pessoa com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. Depois disso recebi algumas perguntas razoáveis sobre o que fazer quando alguém conta que sofre com o transtorno e assim nasce esse texto.
Primeiramente, tudo o que eu vou falar aqui é baseado na minha experiência pessoal como pessoa TDAH e de conversas com outros tdahs, significa que isso é uma verdade absoluta? Não. Significa que todos os tdahs pensam assim? Muito menos. A ideia é dar uma visão de algo que ainda levanta muitas dúvidas.
Vamos lá. O que é o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade?
O TDAH é um transtorno neurobiológico crônico, que caracteriza-se por uma trina de sintomas principais: desatenção, hiperatividade e impulsividade. É causado por uma falta de dopamina e noradrenalina na região frontal do cérebro, sendo este responsável pelo controle atencional, organização, memória e autocontrole. Podemos entender essa região como um maestro, mas sem as substâncias necessárias para reger de forma acertada, é como se um maestro bêbado tentasse reger uma orquestra, o resultado sai desastroso. O TDAH, como seu "primo" TEA(Transtorno do Espectro Autista) são caracterizados como transtornos do neurodesenvolvimento, ou seja, a pessoa nasce assim e os sintomas são percebidos desde a infância, mas isso não significa que o diagnóstico virá na infância. É possível conviver com o transtorno até a idade adulta, sendo mascarado por diversos fatores, até que os prejuízos sejam tão intensos que ao investigar, descobre-se que estavam lá desde sempre(ter tido sintomas e comportamentos típicos na infância é um fator obrigatório para o diagnóstico).
Ser TDAH não significa só ser uma pessoa desatenta, hiperativa e impulsiva. Pessoas TDAHs tem problemas de memória recente, ou seja, tem dificuldade de recuperar informações que acabaram de acontecer. Sabe lembrar o nome que acabaram de falar, um número que passaram, um pedido que acabaram de fazer, é basicamente virar para o lado e esquecer completamente, o que foi dito no minuto anterior. Outra dificuldade é relacionada a organização, em qualquer nível, desde de manter uma agenda de compromissos até se organizar para sair de casa no horário para o trabalho. O Dr. Russel Barkley, um dos maiores especialistas do mundo em TDAH, diz que o portador de TDAH sofre de miopia temporal, até que algo esteja tão próximo, não é possível para a pessoa lidar com aquele evento.
Ok, mas todo mundo é desatento, então todo mundo é TDAH, parece invenção isso ai... Sim, meu anjo. Todo mundo tem um nível de desatenção, isso é verdade, mas nem todo mundo tem todo o resto do pacote que acompanha o tdah. Por isso é perigoso reduzir o transtorno, apenas ao problema com atenção, porque ele é muito mais extenso em prejuízos do que só isso. Trust me, se fosse só a falta de atenção, seria bem fácil ser tdah rs.
Agora que entendemos, vamos voltar ao tema do texto. Uma pessoa te contou que é TDAH, e se você chegou até aqui deve ter entendido que as características do transtorno influenciam diretamente no relacionamentos com os pares e na realização de tarefas cotidianas. O TDAH não vai desaparecer só porque não falamos nele. Então, o que fazer se alguém te diz que é TDAH?
Um dos pontos mais importantes é se informar sobre o Transtorno. Ele não é incapacitante mas atrapalha o rendimento quando tentam normalizar o portador, e o que quero dizer por normalizar? Se tentar usar uma régua de um neurotipico para um neurodiverso isso só vai causar frustração de ambos os lados, por isso é importante ter um alinhamento constante das expectativas. Uma pessoa tdah tem dificuldades extremas para permanecer em atividades desinteressantes, então em muitos momentos ela vai precisar de ajudar para quebrar essas atividades em pequenas partes para que possam ser cumpridas de maneira correta e em alto nível. E em contrapartida, ela pode ser completamente ficcionada em atividades motivadoras, a ponto de parecer extremamente acelerada em relação ao tempo dos outros. Como alguém pode parecer em momentos tão desinteressado e em outros tão focado? Pois é meus amigos, essa é a grande sina do TDAH, e se você como pessoa que trabalha com alguém assim não entender esse paradoxo, pode acabar minando as capacidades da pessoa. Ela vai se sentir tão frustrada por não estar conseguindo se manter nessa régua, que até mesmo os picos de foco em atividades de interesse vão acabar sendo perdidas. Auxiliar o tdah a alternar entre atividades chatas e atividades que o agradam é de grande valia para manter a motivação, como também criar reforços positivos para quando ele conseguir cumprir essas etapas mais complexas. Pessoa com o transtorno tendem a ter ouvido criticas duríssimas durante toda a vida, o que cria uma autoimagem negativa muito forte, principalmente os que descobriram tardiamente. O reforço positivo tem esse papel de manutenção da motivação e como forma de criar uma relação mais próxima também.
- Não repare se ele tiver sempre um objeto a mão para 'brincar', isso ajuda com a hiperatividade e com a sensação de tédio existente
- Façam sessões de trabalho junto com essa pessoa, em silêncio. A sensação de companhia é muito agradável e traz segurança de poder ter alguém por perto para auxiliar, se a pessoa confia em você, dê esse espaço para ela poder pedir ajuda sem constrangimentos(sim, sentimos muita vergonha em pedir ajuda). Se ela te escolheu como 'âncora', alguém que confia de se expor assim, considere-se com sorte!!
- Alinhamentos constantes é essencial, tanto com a liderança, como com a equipe.
- Se você pedir algo e ela não fez, ou parece que não escutou quando você chamou, tenha paciência em repetir, não é proposital. A cabeça de uma pessoa tdah tem fluxos intensos de pensamentos, como se estivesse acontecendo ao mesmo tempo um show de metal + carnaval de salvador + caras malhando na academia(BIRLLLLLLLLLLLLL)+ DUZENTAS ABAS DO CHROME abertas e ela esta tentando focar só em uma.
- Pode ser que ela tome muitas notas em reuniões e conversas, é estratégia para lidar com a falta de memória.
No mais, se informe bastante e deixe a pessoa confortável em saber que você quer aprender e ajuda-la. Evite comentários sobre como todo mundo é desatento, tem dificuldades de memória e de organização. Sério!!! Não diminua assim o que viver com o TDAH, o que vivemos é real, doloroso, longe de ser algo passageiro assim e que só esforço resolveria. Nos esforçamos todos os dias para nos adequar a um mundo que nos vê como preguiçosos, isso doí bastante.
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