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Ricardo Gouveia
Ricardo Gouveia

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Hypes, síndrome do impostor, e o desenvolvedor júnior

Após a difícil decisão de que ramo tomar dentro das infinitas áreas de desenvolvimento de software, todos nós nos deparamos com uma novamente infinita quantidade de informação que nos será exigida para conseguir produzir o primeiro resultado, conseguir o primeiro estágio ou emprego, e assim por diante.

É preciso saber administrar o seu tempo, montar uma progressão dos assuntos aplicando uma "ordem correta" de aprendizado, e aprender de forma rápida e definitiva.

São muitas coisas.

Dentro da parte de “saber o que estudar”, surge não o primeiro, mas um grande problema: o que vale a pena estudar?

Parece óbvio: se eu quero me tornar um desenvolvedor front-end, vou pesquisar iniciando no front-end, o que preciso saber para me tornar dev front-end, básico front-end, roadmap front-end, e também fazer pesquisas equivalentes em inglês.

Mas, parando para pensar: os resultados que você irá ter nessa pesquisa hoje, não são os mesmos que você teria se a fizesse a um ano.

É claro, alguns se mantém: HTML(chegando a alguns anos atrás, talvez você visse XHTML), CSS, JS(a alguns anos, FLASH). Esses são carros chefes, as bases, mas são longe de tudo que você precisa saber.

A seguir os requisitos de uma vaga de estágio em front-end, na empresa X:

Obrigatórios:
1.Conhecimento em ambiente de código,
2.HTML5, CSS3, em conformidade com padrões Tableless, Web Standards e W3C,
3.Bootstrap,
4.Desenvolvimento de sites responsivos, e
5.Javascript, ideal que já conheça e/ou desenvolva com jQuery;

*Desejáveis: *
1.Conhecimento em WordPress (criação de páginas e desenvolvimento de templates PHP)

Comentando cada um:

  • Padrões Tableless, dentro do ensino de HTML5, já é comum. Isso significa que se você estuda HTML5 de qualquer forma, muito provavelmente não lhe ensinarão a construir páginas em tabelas. Essa forma de desenvolvimento já caiu num limbo que vem depois do desuso.

  • Web Standarts são padrões estabelecidos pela W3C na tentativa de tornar a Web mais otimizada e acessível. Esses padrões tratam, dentre outras coisas, da utilização correta das tags do HTML5 (por exemplo, ao fazer um trecho da página que será o conteúdo de um post de blog, usar a tag <article> ao invés de simplesmente <div>) Esse artigo do Maujor explica mais sobre isso de uma maneira rápida, e ainda assim detalhada.

  • Bootstrap: eu ouvi falar desse aqui antes de começar no front-end. Pode-se dizer que é o framework CSS mais famoso do mundo, atualmente.

  • Sites Responsivos: não requer qualquer justificativa. Em breve será difícil encontrar alguém que saiba desenvolver de maneira não responsiva.

  • Javascript e JQuery: a primeira consolidou-se como linguagem oficial do comportamento da Web. O segundo é motivo de brigas em bares, onde acusa-se de “programar em JQuery e não em Javascript”.

  • Wordpress: é antigo. E deve ser o CMS mais famoso até hoje. Não é um requisito para toda e qualquer vaga, mas é amplamente utilizado. Também não é difícil de aprender.

  • PHP: o Wordpress é feito em PHP. Apesar de ser uma linguagem Back-end, em geral é responsabilidade do profissional de front-end fazer a integração de seu código com a parte de trás da aplicação. Assim, pode-se dizer que muitas vagas vão requerer dos candidatos um conhecimento mínimo de uma linguagem back-end.

A síndrome do impostor

Suponhamos que um iniciante, para se candidatar a essa vaga, tenha decidido estudar Bootstrap e JQuery. E levou dois meses para ele chegar num nível em que pode dizer “Eu sei Bootstrap e JQuery”. Ainda que se tenha conhecimento sólido sobre algo, há sempre mais para aprender.
Mesmo que se saiba muito CSS, quando se depara com um codepen muito bom, e vem aquela sensação “Eu não faço idéia de como isso foi feito”, o segundo pensamento provavelmente será “Será que eu realmente sei CSS?”.

Para quem tem mais experiência, esse pensamento talvez seja mais fraco. Talvez uma olhada no código fonte, depois de alguns “ahh tá”, você deixe de ter essa sensação. Para alguém que está começando, esse sentimento é aterrorizante; ainda mais se no código fonte houver alguma propriedade ou lógica desconhecida pelo leitor. A impressão é de que aquilo ali é algo imprescindível, que não se pode deixar de aprender. Muitas vezes isso não é verdade. Leva tempo para se acostumar com essa sensação de inferioridade constante. Você entra numa comunidade onde todos os olhos estão virados para os grandes, para aqueles que criam, da noite pro dia, um projeto que ajuda dezenas ou centenas de pessoas, até mais.

Por um lado, isso é bom: mostra que precisamos de mais gente assim; por outro, é péssimo: cria desespero e nem todo mundo lida bem com isso.

Esse é o ciclo da síndrome do impostor, aplicado na falta de conhecimento, no medo do desconhecido, e em tantos outros sentimentos envolvidos no inicio de qualquer coisa em nossa vida.

Não saber algo é algo muito natural no inicio. Mas causa, no mínimo, desconforto. E para os auto-didatas, não há ninguém para dizer “Você está pronto”. A gente vai na sorte mesmo. Confiando no que já sabe e na capacidade de aprender mais.

A parte boa, pelo menos a respeito da falta de conhecimento, é que a medida que se estuda e que se pratica, há menos encontros com o desconhecido. Vê-se usos mais espertos de coisas que já conhecemos, e entendemos facilmente. E quando há algo realmente desconhecido, pensamos “Eu nunca, desde que comecei a estudar, vi isso antes. Será que não é algo muito especifico para essa aplicação?”. Como específico não quer dizer inútil, e nem quer dizer que não é reutilizável, isso não é algo ruim; e é confortante, poder olhar com atenção e aprender sem aquela auto-cobrança excessiva.

Como qualquer síndrome, a síndrome do impostor nunca realmente vai embora. Ela diminui e aumenta, de acordo com vários fatores. Mas ela sempre está ali.

O Willian Justen fez um ótimo post definindo essa síndrome, presente em outras situações além da que descrevi acima.

Desenvolvimento orientado a modinha (DOM)

O quão “menor” uma tecnologia é, menor tende a ser o seu “tempo de vida”.

Essa frase pode ser comprovada com comparações entre linguagens de programação com seus respectivos frameworks. O CSS, por exemplo, é bem mais antigo que o Bootstrap, e é muito provável que, em breve, o posto dele como mais framework popular seja tomado por outro.

Enquanto o CSS é utilizado para estilizar quase que 100% das páginas da internet, o Bootstrap não é adequado em algumas situações, por diversos motivos: performance, estilo padrão de design, etc.

As tecnologias são voláteis. Mas as tecnologias dentro das tecnologias são ainda mais voláteis.

Nossa profissão nos obriga a nos atualizar-mos constantemente. Dentre uma noticia e outra, sempre há anúncio de novas tecnologias, como frameworks. E quando lemos essas noticias, pensamos “Será que esse é o próximo Bootstrap?”.

Pode ser que sim, pode ser que não; o problema é que você não sabe nada sobre aquele novo framework, além do fato de que ele existe. Você também sabe que, se ele entrar em hype, quem dedicou um tempo para aprende-lo sairá na frente. Vale a pena dedicar um tempo para examinar aquela novidade mais a fundo?

No livro “O caminho das pedras para se tornar dev front-end”, do Diego Eis, diz-se:

(…)não queira aprender nada que você não vai usar agora. Claro, não estou dizendo que não precisa estudar, pelo contrário. Você vai estudar coisas mais imediatas, que vão melhorar sua produtividade. Se você não vai usar Backbone agora, só aprenda se quiser (ou precisar). (…) Se você for novato, não fique afobado. Você não precisa aprender Backbone ou qualquer outra coisa para se tornar um desenvolvedor front-end. Essa área cresceu tanto que há espaço para todo mundo. É claro que você não vai escapar de escrever JavaScript, você não precisa saber tudo, mas precisa entender o básico.

Causa e consequência?

Não consigo afirmar que o hype *gera a síndrome nos iniciantes. Pra isso, precisaríamos de uma experiência ampla com vários participantes e sem *hype. Se tivesse que apostar, diria que não. Para quem está com medo, tudo é ruim até que se prove bom. Se não for o hype, outra coisa viria cumprir esse papel.

Mas podemos concordar que o *hype *piora tudo.

Ninguém tem conselheiros para dizer "aprenda x, ignore y". E ninguém pode dizer que jamais sentiu algo como: "e se eu gastar tempo aprendendo x e o mercado exigir y?". É desconfortante.

Temos que lidar com o problema. Temos que aceitar o risco. Se houver confiança na capacidade de aprender, não vai haver medo de ter que fazer isso no futuro. E deve-se lembrar também que nenhum conhecimento é inútil. Se um hype morre, você pode aplicar a forma de resolver um problema com ele em outra tecnologia. Talvez ele ainda te salve um dia, post hype mortem.

Outra estratégia é o foco na tecnologia base. Ela são os mais sólidos elementos da área. Aprenda mais JS e menos JQuery. Aprenda mais CSS e menos Sass. Aprenda mais HTML e menos Pug. Menos porque você passará menos tempo ao lado deles, e porque se você seguir a ordem, vai ser mais fácil aprender o framework depois de aprender a base.

Esse relato é de iniciante pra iniciante. Esse texto não pretende de curar da síndrome. Eu também gostaria que fosse assim. Mas o texto todo é quase que uma encheção de linguiça pra passar uma pequena idéia principal, resumida em uma frase da Dory:

Continue a nadar!

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