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Henrique Lobo Weissmann (Kico)
Henrique Lobo Weissmann (Kico)

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O porquê de startups me incomodarem

Texto escrito em 2013

Não se deixe seduzir pelo design: ainda é uma picareta.
De uns anos pra cá tenho visto cada vez mais a palavra startup proliferando em artigos, redes sociais, blogs, etc. Empresas inteiras são criadas apenas para incentivar o empreendedorismo.  É muito óbvio pra mim que há muita coisa podre por aí e neste post vou jogar algumas no ventilador.

O Empreendedorismo Obrigatório

Demorou um tempo pra cair a ficha, mas observo atualmente a presença do que chamo "empreendedorismo obrigatório". Não há dúvida de que o ato de empreender, ou seja, gerar valor através da criação de novos mercados ou mesmo no investimento de mercados já existentes é uma das molas propulsoras do crescimento econômico de qualquer nação. Só um louco diria ser a idéia do empreendedorismo algo ruim. Porém o empreendedorismo compulsório a meu ver só destrói: e muito.

Fica claro naquelas conversas de bar ou eventos de desenvolvedores nos quais um dos participantes de repente diz estar satisfeito com o seu emprego atual. Segue uma rajada de olhares de desprezo do tipo "medíocre detectado".  Sabe, não há nada de errado em ser um excelente funcionário e crescer em uma empresa por ter gerado valor a esta: muito pelo contrário. Se você gosta do seu trabalho e acredita estar gerando mais dinheiro para seus empregadores, desde que estes te valorizem profissionalmente, você é um vencedor. Orgulhe-se disto, aprofunde-se no que faz, ignore estes cretinos e seja feliz. Simples assim.

Agora, se você não está disposto a assumir riscos (ou simplesmente não pode), tornar-se um empreendedor compulsório apenas para gerar uma boa impressão me soa como burrice absoluta com quase 100% de chance de fracasso.

E sabem o que acho mais engraçado? Há todo um glamour envolvendo o empreendedor ligando-o ao conceito de aventureiro (que realmente é), mas já repararou que o lado negativo do aventureiro raríssimas vezes é exposto? Sabem de onde vêm a palavra "aventura"? Vêm do latim: "ad venture", o que "está a frente". O desconhecido, apesar de excitante,  não necessáriamente é bom. Em uma neblina bruta nada impede que seu próximo passo seja em um buraco. E sabem de uma coisa? A vida é uma neblina e o mercado uma das mais densas. Então todo aventureiro para que possa ser caracterizado como tal obrigatóriamente deve ter a irresponsabilidade como característica. Apostar no certo não é aventurar-se, mas sim assegurar-se, e não há nada errado nisto.

Fico pensando: a inclusão da matéria empreendedorismo nas faculdades acaba facilitando o empreendedorismo compulsivo. O empreendedor normalmente tem uma intuição e acredita nesta. Não sei se o ato de intuir é ensinável. Ensináveis são os conceitos básicos de Direito, Administração e Contabilidade que, curiosamente, vejo sendo ignorados. Por que será né?

O motivador que na realidade explora

O tempo inteiro vêmos em redes sociais posts muito parecidos com o exposto abaixo:

Acho certo que haja o incentivo ao empreendedorismo, o problema é que não sei se já notaram mas é feito de forma (suspeita) inversa. Na ciência quando uma tese surge nós tentamos invalidá-la através do questionamento ou apresentação de contra-exemplos. E esta forma de trabalhar funciona já faz um bom tempo e é bem comprovada: se chama método científico. Já observaram que o mesmo não ocorre quando alguém propõe sua idéia de negócio? O primeiro passo consiste em validar a idéia e, ainda mais interessante: normalmente aquele que vai contra (como eu neste post) passa a ser mal visto.

Não é pra menos: você vê nítidamente uma indústria surgindo ao redor do conceito de startups. Fábricas de software, consultorias, motivadores, publicações, cursos, enfim: tudo pra que você fique rico rápido com sua idéia genial. E este é um segmento de mercado em franca expansão, então é importantíssimo que você não seja um covarde e ponha suas idéias em prática: alguém precisa pagar as contas deste povo não é mesmo?

Por que as dificuldades também não são expostas de cara? A nossa altíssima carga tributária, a complexidade contábil ou mesmo as armadilhas da administração. Já tentou contratar alguém? Eu já e posso dizer com muita segurança: é caro e complicadíssimo, e para que o seu empreendimento tenha sucesso, você não pode contar só com seus sócios, a não ser, é claro, que eles tenham dedicação exclusiva a isto, o que me leva ao terceiro mito.

"Meu primeiro emprego é minha startup"

Já cai nesta. Criei a itexto em 1999 quando ainda estava no segundo grau, e é uma daquelas situações que merece o selo Bino de cilada. Olhando pra trás fico besta com o quão imaturo eu era até 2003, 2004. Lembro que ouvia o pessoal me dizer coisas como "pra comandar um dia você tem de ter sido comandado também" com desdém. E sabe de uma coisa? Eles estavam 110% certos.

Só quando iniciei meu primeiro emprego na ECM é que comecei a entender os problemas dos meus clientes e mesmo como lidar com meus fornecedores e contratados.  Então, minha sugestão pra você que tá começando é a seguinte: não faça o que eu fiz, pegue um emprego, é a melhor escola possível. Se for horrível, você aprende com os contra-exemplos, caso contrário, com exemplos, é um ganha-ganha pra quem tem como foco ser dono do próprio nariz. Interprete seu emprego não como um trabalho, mas como uma escola.

O nome startup é enganador

Esta é outra impressão que tenho: já li o "Lean Startup" que tem uma definição interessante do termo, mas na boa? Uma startup ainda é uma empresa como qualquer outra. Você ainda vai ter os mesmos encargos tributários (há um projeto de lei rodando por aí pra mudar a coisa, mas ainda não se materializou), contábeis, administrativos e tudo mais.

E sabem o que acho mais interessante? As pessoas se esquecem de um fato básico: pra que a empresa tenha sucesso, se você já tem um emprego, ela tem de substituir o que você ganha no seu trabalho atual para que você possa ter dedicação exclusiva. Criar uma startup não é mais fácil que uma empresa convencional apesar do nome prover esta ilusão.

Concluindo

Quatro anos atrás publiquei aqui um post chamado "Síndrome de Bill Gates" em que expus minha própria experiência na área, mas hoje acho a situação muito pior. Tenho visto cada vez mais pessoas perderem literalmente TUDO porque ninguém lhes disse antes que sua idéia era péssima. Sei que muito do que escrevi aqui (provávelmente tudo) é desagradável, e é mesmo. É muito chato quando alguém te joga um balde de água fria na sua idéia que parece tão linda, nos seus sonhos que parecem tão concretos. Talvez você me veja como um fracassado invejoso ou algo assim, mas pelo menos durmo com a consciência limpa se tiver acordado alguém pra realidade.

O fomentador de empreendedores não deve ser o que passa a mão na cabeça, mas o que te aponta as falhas. Simples assim: de resto, não passam de aproveitadores. Sou a favor de mais exemplos de empresas que não deram certo e menos cópias de Twitter, Facebook, Apple.

PS: e eu continuo empreendendo. Atualmente to investindo uma fortuna numa doidera que têm tirado meu sono por meses. :)

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