Existe sempre a opção de não sair do lugar?

Essa não é uma tentativa de romantizar o sofrimento ao qual me submeti para melhorar, um pouco, a minha vida e, consequentemente, da minha família.

Eu não nasci herdeiro, assim como a maioria de nós, meus pais concluíram o ensino médio através do EJA, minha mãe era costureira e foi aposentada por invalidez, meu pai se aposentou recentemente como funcionário público.

Não tínhamos luxo, porém, comida na mesa nunca faltou, mesmo nunca sendo abundante e com poucas opções.

Do ponto de vista do meu pai, ele atingira o ápice comparado à infância difícil onde teve que fazer de tudo para vencer a fome e a violência que começava a crescer em São Paulo, comida na mesa e um teto, era uma imensa vitória contra as estatísticas e o sistema que destruiu tudo que ele conhecia.

Minha mãe, passou pelas mesmas situações, a fome era implacável e ela ainda sonhava em ser psicóloga, porém, a doença neurológica que a acometeu impossibilitou que ela conseguisse realizar esse sonho e mais alguns outros.

O foco não é falar deles, fizeram o melhor que podiam e eu os tenho como grandes exemplos de caráter, perseverança e compaixão.

Voltando a falar de mim, trabalho com redes e telecomunicações desde 2008, aprendi tudo que podia na marra, sempre faltou conhecimento de base para que eu pudesse crescer, achei que estava velho para iniciar uma faculdade, tinha um salário de mediano para bom e caminhava a passos largos para viver como os meus pais, tinha optado por não sair do lugar, todos temos essa opção.

Minha esposa engravidou e eu estava desempregado, certo ou errado, não sei dizer, mas acabou que ter essa responsabilidade me fez perceber que eu não queria que minha filha tivesse alguns problemas que tive.

Pensando nisso, comecei a fazer faculdade, conciliando com o trabalho, criança pequena, esposa e o trabalho de garçom aos finais de semana em um bar às margens do rio Tietê no interior de São Paulo, o trabalho era pesado, mas agradeço a oportunidade que me deram mesmo sem ter qualquer tipo de experiência, isso me ajudou a colocar comida na mesa e de tabela a não esquecer de onde eu vim.

Durante esse período, eu dormia no máximo, cinco horas por noite.

Sempre me perguntei: "E se todo esse esforço não me levar a lugar algum?"

O tempo foi passando, mesmo sem qualquer energia, segui com essa rotina desumana, o esforço foi imenso, sei que foi difícil e que existem pessoas em situações piores, isso aqui não é competição para vermos quem sofre mais.

Pensei em desistir inúmeras vezes, foram três anos incessantes, envelheci décadas nesse período, deixei de ser uma companhia agradável.

Nesse processo de não ter tempo para absolutamente nada e viver no limiar para cair na completa loucura, perdi amigos de longa data e a família se afastou, a combinação perfeita, a solidão e o estresse ao extremo me consumiram sem misericórdia alguma, aos poucos eu sentia cada vez mais a minha humanidade se esvaindo.

Eu havia chegado no meu limite?

As oportunidades pareciam não chegar, me mantive ali, tentando ao máximo parecer imbatível, tive medo de desistir, pois iria odiar ficar com o sentimento de ter morrido na praia após tanto esforço, tive medo de continuar, com medo de não conseguir mais saber quem eu era, paralisei por completo durante um tempo, depois me levantei, sacodi a poeira e hoje posso dizer que dei a volta por cima, mas ainda não é o fim, descobri que é só mais um começo.

"Você sempre tem a opção de não fazer nada e continuar no mesmo lugar, uai!"
Gustavo Kalau

Porém, se você vem do mesmo recorte social que eu, não quero que você desanime, porém eu não vou mentir, vai ser difícil, muito difícil, vai parecer impossível, saiba que a jornada é mais importante que o destino, o destino na verdade é uma ilusão e ninguém vai te contar isso, valorize sua jornada, as pessoas não fazem a menor ideia do que você está passando para conseguir seus objetivos, se ame e ultrapasse os limites se achar que pode, não recomendo a ninguém fazer tudo que fiz, mas permanecer no mesmo lugar, no final das contas, iria ser muito mais doloroso para mim.

Eu precisava fazer algo e o preço foi alto, doeu e ainda dói.